Era madrugada e eu e minha namorada na época saíamos de um restaurante próximo ao centro velho da cidade.
Atravessávamos a avenida deserta assonados e despreocupados, quando aquele homem surgiu subitamente a nossa frente.
Sujo, mal barbeado, vestindo roupas escuras e uma capa negra rasgada.
Cercou-nos e nos pegou no contra-pé.
Veio em nossa direção com um olhar como nunca eu havia visto.
Um sorriso perigoso, um louco com uma idéia fixa, nos atacar, nos agredir.
Uma de suas mãos estava dentro do casaco, tive certeza: "ele tem uma faca."
Pensei em protege-la, avancei a sua frente pronto para enfrentar o agressor.
Quando ele, num gesto insólito paralisou minha ação, jogou-me ao chão.
Eu, minha prepotência e preconceito fomos esmagados pelo que ele me fez.
Quando estava a menos de um metro de nós, sacou de seu casaco sua terrível arma: uma flor rosa choque.
Fez isso enquanto no rosto mantinha o seu sorriso ameaçador.
Naquele momento minha existência pareceu nada.
Minha vaidade e arrogância foram dizimadas.
Senti-me frágil. Não estaria assim se aquele maltrapilho tivesse me atacado com um pau ou com a uma faca. Como eu sempre esperaria de um sujeito assim.
Mas ele, covardemente, me esmagou com sua flor de canteiro.
Senti-me sem pés, flutuei, desconheci meus passos seguintes.
O homem, o ser imundo e fantástico, afastou-se de nós após deixar a sua arma nas mãos de minha namorada.
Cruzou a esquina e desapareceu.
Nunca mais o vi.
Guardo vagamente o seu olhar.
Passei vários dias lembrando de suas palavras nunca ditas.
Ele se foi, talvez tenha morrido ao atravessar uma rua bêbado, ou esquálido faminto definhou até sumir.
Nunca soube seu nome, nem porque fez aquilo.
Pelos dias que se seguiram olhei a sua arma depositada em um copo com água, tentando entender.
Tenho hoje só as lembranças e as cicatrizes do ferimento que ele causou em minha alma.
Nunca mais fui o mesmo e nunca mais o esqueci, mas hoje acredito, mais do que nunca, em anjos que transformam a nossa vida, como aquele homem e seu gesto transformador, o “ homem rosa choque.”
de Antonio Ravan